A tecnologia para cair na folia

Muito além de samba-enredo – como a tecnologia pode mudar a experiência da maior festa popular do Brasil

Considerada a maior festa popular brasileira, o Carnaval tem suas raízes nas festas pagãs da Antiguidade: entre novembro e dezembro, gregos, romanos e outros povos celebravam a colheita com muita música, dança e comida. Com o advento do Cristianismo, as tradicionais celebrações pagãs foram incorporadas para se adequar ao calendário cristão e ressignificadas para atrair os fiéis. A festa mudou de data e passou a anteceder a Quaresma, um período de meditação, recolhimento e penitência que dura até a Páscoa. Possivelmente, a origem do nome vem do latim carnis levale, que significa “levar a carne”.

O Carnaval era, então, uma oportunidade para o povo extravasar e se entregar aos excessos. Durante os 40 dias da Quaresma até a Páscoa, os fiéis deviam se recolher, se reconectar com Deus e não consumir carne. Por esse motivo a terça-feira de Carnaval é chamada de terça gorda, significando a última oportunidade para as pessoas cometerem vários pecados capitais, como a Gula e a Luxúria.

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Um dedinho de história

Desfile do Mardi Gras nos EUA, 1925 – Imagem: Bettmann / Bettmann Archive

A festa foi evoluindo junto com a sociedade. No século 13, surgiram os primeiros bailes de máscara direcionados à nobreza na Europa, principalmente na Itália. Nesse período, marcado pelo surgimento da commedia dell’arte, as primeiras canções de Carnaval foram compostas em ritmos dançantes para acompanhar os desfiles do povo fantasiado que seguia as carruagens decoradas chamadas de trionfi.

No século 19, o Carnaval já era uma festa do povo por toda a Europa e nos Estados Unidos. As fantasias se diversificaram e passaram a representar outros personagens além dos tradicionais Arlequim, Pierrô e Colombina italianos. Grandes carros alegóricos, puxados por cavalos ou automóveis, já apresentavam estruturas parecidas com as que conhecemos hoje.

O Carnaval no Brasil

Em terras tupiniquins, o Carnaval começou a ser introduzido pelos portugueses por meio do entrudo, uma brincadeira um pouco violenta muito popular em Portugal. Praticado em massa pelos escravos e classes mais pobres, consistia em sujar uns aos outros com líquidos e outras substâncias pastosas, como água misturada com farinha, limão de cheiro, lama e até urina. Foi bastante reprimido pela imprensa e pela polícia, por pressão das elites.

Mesmo com a repressão, o povo ainda enchia as ruas com cordões e ranchos, seguindo músicos e tocadores de bumbo (os primeiros blocos de rua!). Conhece a famosa marchinha “ô, abre alas”? A música composta por Chiquinha Gonzaga é considerada a primeira marchinha, composta em 1899. O primeiro samba só viria em 1910, na letra de Donga e Mauro de Almeida.

De lá pra cá, o Carnaval só cresceu e virou a maior festa popular do Brasil. São bilhões de reais todo ano movimentando a economia e promovendo marcas de diversos segmentos.

E o que a tecnologia tem a ver com isso?

Apesar da milenar carga histórica, o Carnaval vem recebendo cada vez mais investimentos de empresas para garantir inovação e tornar a festa mais voltada para o futuro. E o povo vem acompanhando as mudanças. As fantasias seguem os memes e ícones da cultura do pop do momento, alavancados pelas redes sociais. O celular é parte imprescindível para transmitir a festa em tempo real nas redes.

Este ano, a tecnologia foi o tema da histórica escola de samba Rosas de Ouro, de São Paulo. O enredo, intitulado Tempos Modernos, falou sobre a 4ª Revolução Industrial e levou até mesmo um robô para a avenida do samba. O carnavalesco André Machado explicou que não bastava apenas falar sobre a tecnologia, mas também levá-la para o sambódromo. Por isso, a Rosas de Ouro lançou o aplicativo Carnaval 4.0, que podia ser usado para enxergar o sexto carro alegórico da agremiação, que foi produzido para ser visto exclusivamente com realidade aumentada. O app ainda conta com um quiz educativo e outras experiência de realidade aumentada durante o desfile, além de acompanhar em tempo real o nível de emoção dos componentes ao desfilarem.

A escola contou com o apoio de mais de 30 empresas, incluindo gigantes como a Dasa, Nokia, People+Strategy e GS1. Isso tornou possível o desfile de robôs como o ROXP4, protagonista do enredo, e um robô suíço que distribuiu baquetas aos integrantes da bateria. O desfile da escola fez uma linha do tempo, passando pelas 3 Revoluções Industriais anteriores e contou um pouco sobre a história da tecnologia.

Outra agremiação a levar a tecnologia para o sambódromo Anhembi foi a Águia de Ouro, campeã do carnaval paulista em 2020, como parte de seu enredo sobre a evolução do conhecimento humano. O título do enredo “O poder do Saber – se saber é poder… Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” tratou de grandes invenções humanas, desde a descoberta dos usos do fogo e da roda até um futuro de esperança na sustentabilidade e nos robôs.

Outras escolas de samba, tanto do Rio quanto de São Paulo, inovaram utilizando a tecnologia em menor escala em seus desfiles. LEDs nas fantasias, aplicativos e filtros de realidade aumentada para o Instagram, além de aplicações de ponta nos carros alegóricos são alguns exemplos.

Muito além de temas de enredo…

A tecnologia não caiu apenas no samba neste Carnaval. Vários dispositivos foram usados para melhorar a segurança no carnaval de rua em diferentes estados, inclusive Inteligência Artificial e Visão Computacional.

Em São Paulo, 50 drones do Governo Estadual foram colocados em serviço para monitorar os 644 blocos que desfilam pela cidade, identificando suspeitos de crimes e encontrando pessoas desaparecidas. A prefeitura disponibilizou quatro drones para auxiliar a tarefa dos agentes no monitoramento do trânsito e para evitar conflitos.

O polêmico reconhecimento facial está sendo testado pela polícia soteropolitana através do aplicativo Face Check. A ideia é testar o recurso, que será utilizado em pontos estratégicos no Carnaval de Salvador. Com o app, os agentes conseguem usar a Visão Computacional para cruzar as informações dos suspeitos com um banco de dados.

Ô abre alas que o futuro quer passar…

É nesse clima de inovação (e renovação!) que o Carnaval vem se reinventando nos últimos anos. A tendência é que a maior festa do Brasil vá se moldando aos poucos. O objetivo é integrar cada vez mais os últimos lançamentos tecnológicos para tornar a experiência mais rica, imersiva, divertida e, principalmente, acessível para todos os públicos.

O Carnaval brasileiro é uma tradição historicamente popular, com profundas raízes na religião e na cultura afrobrasileiras, herdadas do período escravista. Tanto que suas principais agremiações e sociedades carnavalescas, ao contrário do período colonial, estão situadas em comunidades e áreas periféricas. Por isso, falar de tecnologia e futuro representa um desafio. É preciso mostrar que o povo pode ter acesso a esse futuro e que ele já está acontecendo de diversas maneiras.

Com tanto potencial, cabe aos governos e as empresas focadas na inovação tecnológica unirem a festa do povo com a tecnologia, por meio de parcerias e investimentos. Já é de conhecimento geral que o Carnaval gera bastante retorno, não apenas em termos financeiros, mas também em termos de engajamento e construção de vínculos, por isso as marcas mais vanguardistas não demoraram para aparecer como patrocinadoras em camarotes, blocos e escolas de samba. A visibilidade e credibilidade criam um relacionamento mais intimista com as pessoas, que enxergam as marcas de maneira diferenciada e, consequentemente, tendem a elevar o valor delas.

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